quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O Viajante

Partiu.
Seguiu seu rumo sem pensar, sem pestanejar.
Deixou suas malas e também tudo que sentiu.
Pôde perceber que mais suave agora se fazia o ar.
Partiu.
Por milhas e milhas caminhou sem se preocupar.
Não esperava nada, já sabia como esperar era vil.
Então de vento em vento se fez a tempestade no seu mar.
Sorriu.
Mais uma oportunidade de se manter de pé, não fraquejar.
Uma chance de reconstruir tudo que seu vício destruiu.
Mas de vicio em vicio, tempestade em tempestade, é que se controem castelos no ar.
Sorriu.
De tanto viajar sem rumo se encontrou sem procurar.
Viu que toda pedra no caminho é um degrau extremamente sutil.
E de degrau em degrau se alcançam os castelos, portos seguros para se atracar...

...e isso é só pelo prazer de saber que ele está lá, porque ao menor sinal de duvida lá vai o viajante de novo, sem duvidas , sem medo, pronto para zarpar.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A pianista.

Era madrugada. Mais uma madrugada, eu já havia perdido a conta de quantas delas eu havia perdido assim, sem dormir, sem paz. Nos eventuais cochilos que essas noites mal dormidas me proporcionavam eu tinha um sonho recorrente, fazia meses que cada vez que eu fechava os olhos eu tinha essa mesma visão, encantadora e devastadora.

Nesse sonho praticamente lúcido, eu trabalhava em um banco, num prédio muito alto, numa avenida que parecia uma miniatura da Av. Paulista, mas com um movimento tão infernal quanto. Curiosamente não faço idéia de onde seja esse lugar, nem sequer se ele existe. Consumando a improbabilidade dos fatos, da janela em frente a mesa do meu escritório no banco, que era num dos últimos andares, eu via uma esquina. Nessa esquina de um lado da rua havia uma clínica de tratamento psiquiatrico, no outro lado havia uma espécie de albergue que eu não consegui bem identificar o que era. Eu possuía as memórias daquela vida. Embora soubesse que ela se passava na minha mente, e somente nela. Minha vida fictícia era um tédio. Acordar, trabalhar, assistir ao jornal das 20h e dormir. Todo santo dia. Sem exceção. Morava numa casa ridícula, numa periferia qualquer, que minha memoria era incapaz de lembrar. O típico cidadão de classe média do infame mundo real. De uma forma inexplicável diante dessa vida, esse cidadão chamado Gabriel parecia feliz, e como eu era Gabriel, por mim tudo bem, eu acordaria daqui a pouco mesmo.

Eu trabalhava naquele banco devia ter pelo menos 2 anos, mas isso não importa, eu acho. O que importa é que nos últimos seis meses eu havia notado um fato impressionante, ali mesmo diante de todo o stress e toda rotina entediante a janela me proporcionava o espetaculo da arte, o espetaculo da vida. Um dia trabalhando até mais tarde, ao anoitecer ouvi suavemente o som de um piano acariciando meus ouvidos, levantei-me e caminhei até a janela, fiquei debruçado sobre o beiral por alguns instantes, apreciando a musica, percebi que uma das poucas luzes acesas eram daquela esquina, e que apesar de ver da janela , eu nunca tinha passado por aquela esquina. Então tomei meu ultimo gole de café, peguei meu maço de cigarros e fui. Para onde? Fui caminhando até a bendita esquina. Era a ultima quadra da avenida, por isso nunca tinha passado por lá, além daqueles lugares realmente enormes, havia em frente um pequeno sobrado, onde funcionava um bar, como era noite, e era sexta feira, resolvi tomar alguma coisa. Propositalmente procurei no piso superior a mesa que ficaria de frente para a luz que eu procurava, até que percebi a luz no saguão de entrada da clínica psiquiatria, avistei também o piano, e a criatura angelical, que de forma tão bela e sutil tocava aquelas teclas. Pedi uma dose de uísque, enquanto a música embalava meus pensamentos, não conseguia também nem por um instante parar de olhar para a garota sentada ao piano. Não era uma beleza esteriotipada, de plástico, como a beleza desses comerciais de tv, era a beleza do comum, a beleza do que se procura. A beleza de tudo que é ímpar, tudo que é singular. De tão hipnotizado que fiquei, mal sei descreve-la, a grosso modo posso dizer, só que tinha a pele branca, cabelos escuros, , seus olhos não pude ver devido a distancia, mas os imagino castanhos, com um olhar profundo. Não sei quanto tempo fiquei ali, mas enquanto eu pude a ver e ouvir, fiquei.

Nos dias que se seguiram, assim que eu ouvia o som, ia embora. Não me importava o que eu tinha para fazer, se tinha algo mais importante eu inventava uma história e caminhava até o bar, sentava na mesma mesa, e ficava assistindo ela, e ouvindo sua música, e aquilo parecia me contar cada problema da vida dela, e tudo que ela tinha sofrido, porque estava ali, me dizia tantas coisas que minha cabeça não conseguia processar as informações. Só conseguia ficar ali, parado, olhando para a janela. Até que em algum momento da noite ela levantava, abaixava a cobertura das teclas, apagava as luzes, e de repente, tudo ficava vazio, mas não infeliz, porque eu sabia que amanha eu voltaria, e ela estaria ali, me esperando. Logo os dias viraram semanas, e essas semanas viraram meses. E nos últimos meses, eu já não queria trabalhar, só saia do bar quando fechava, e logo cedo estava lá de volta, e passava o dia esperando o momento dela aparecer, e trazer a paz, a felicidade, a satisfação de estar vivo. As vezes em alguns dias de sorte eu a via passar de um lado para o outro e eu me sentia irradiando vida. Assim foram meus últimos 6 meses, onde não houve tédio, não houve mesmisse, não houve tristeza, e não houveram problemas. Porque eu sabia que a veria e era só o que importava, só isso me bastava. Tudo isso até ontem, ontem tudo mudou. Ontem antes de apagar a luz como ela sempre fazia, ela olhos para a janela do bar, como se sempre soubesse que eu estava la, como que me dizendo alguma coisa, e ao encontrar seu olhar fixo no meu olhar, eu não a compreendi.

Fui para casa desolado, e ao chegar em casa tudo piorou, não havia mais luz, nem agua, nem comida, estava tudo imundo e destruído, raparei que as roupas no meu corpo estavam velhas e maltrapilhas, mas isso não me fazia mal, estava mal porque não consegui decifra-la, porque? Aguardei amanhecer para ir até o banco, e para minha surpresa ele tinha se mudado, e eu nem sabia para onde. Eu não tinha mais nada. Só me restava aguarda-la no mesmo bar de sempre, para poder decifra-la e poder sorrir. Mas para o meu desespero não a vi passar pela janela, anoiteceu e ela não sentou ao piano, e eu fui me desesperando, e ao amanhecer, completamente embriagado eu tomei coragem, atravessei a rua e fui a recepção perguntar sobre a moça do piano. A recepcionista me olhou atravessado mais respondeu, me disse que ela tinha tido uma melhora súbita do quadro de depressão que apresentava já fazia muitos anos, os médicos não sabiam porque mais nos últimos 6 meses ela tinha começado a falar de novo, voltado a tocar, a escrever, e na tarde anterior tinha sido liberada para voltar ao mundo. A recepcionista pegou algo debaixo do balcão e colocou sobre as minhas mão, era uma pasta, mas antes mesmo de abrir a pasta, enquanto eu segurava o pranto, pedi somente para sentar ao piano. Sentei, por um impulso abri a pasta[desenhada a mão com letras cinzas, em formato de tinta escorrendo estava um nome, Prissila], e estava lá a partitura da música que embalava meus dias e noites, perguntei afoito quem deixou aquilo e porque tinha me entregado aquilo, a recepcionista respondeu, “Prissila, a moça do piano para você, eu acho,” sorriu e prosseguiu ”foi embora tão bem, que falou que o primeiro que entrasse aqui depois dela partir deveria ficar com a pasta.”

Eu chorei como uma criança orfã, como amantes em sua despedida, não consigo por em palavras os malditos sentimentos, alguns médicos chegaram para me ajudar, enquanto eu mal conseguia pronunciar qualquer coisa, mas consegui dizer que só queria ficar um pouco mais ao piano. Timidamente comecei a tentar tocar a musica, e em lágrimas, vou sentindo o olhar daquela mesma janela, ao voltar meus olhos para a janela do bar, lá está ela, sorrindo, eu nunca a tinha visto sorrir, e todo o mal em mim havia sumido, e eu sintia que podia me reeguer e conquistar o mundo. Infelizmente é nessa parte que eu sempre acordo.

Acordo, e vejo que se passaram somente quinze minutos da ultima vez que eu tinha acordado, e minha agonia aumenta, pois deve ser a milésima vez que Prissila vem me visitar, eu rio, porque já não sei mais o que fazer, então o que passa na minha cabeça toda noite depois que sonho isso é que eu vou sair pela porta de casa amanha, e vou estar de frente para o bar, com ela sorrindo para mim, me chamando para viver, me chamando para sorrir, me chamando para estar ao seu lado. Mas eu saiu pela porta, todos os dias depois de sonhar com ela, e não vejo ninguém, Então eu vivo o meu sonho, vivo entediantemente, trabalhando, vendo o jornal e dormindo, esperando o dia em que o som do piano vai alcançar os meus ouvidos, o dia em que eu abrir a porta e encontrar o bar, a clínica, e ela, e tocaremos juntos a musica que a libertou, porque eu só preciso alcança-la para que tudo fique, literalmente como eu sonhei. Enquanto isso, eu só peço a todos os deuses a coragem de atravessar a rua antes que ela vá, antes que seja tarde demais, antes que ela siga sem mim, e só me sobre o piano, a partitura e a insanidade de ser só.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Tentava por no papel o que sentia.
Diante da possibilidade de não conseguir, sentou-se e aguardou a coragem para falar.
Infelizmente esqueceu que era mudo.
-k