sábado, 16 de setembro de 2017

Nos olhos do tempo

Caminhava,
aparentando aquela certeza que nenhum de nós possui,
à passos largos, firmes,
como quem volta por um senda conhecida.
Então, avistei em outros olhos um olhar que poderia ser o meu,
quiçá o era.
Estava nos olhos de um senhor, já avançado em seus dias.
Seu olhar transparecia o pesar de quem foi atravessado pelo tempo.
De imediato, pensei que o olhar daquele homem poderia ser o meu.
No reflexo de suas pupilas eu podia vislumbrar a incompreensão,
aquela que é digna de quem viu muitos mundos
e não se reconhece no que vê agora.
Um cansaço de quem viu dias exaustivos, repetitivos.
Porém, irrepetíveis.
Era isso.
Definitivamente o olhar era o meu também.
Demonstrando o pesar e o êxtase da singularidade dos dias.
Ele me olhou como quem não me via.
Ou talvez se viu também na profundeza dos meus olhos.
A incerteza.
O tempo.
Era o tempo que estava em nossos globos oculares,
seus fragmentos, encharcados de memórias,
mais ou menos vividas,
 razoavelmente mortas, tortas, quase irreconhecíveis.
Em nós viviam passados, presentes e futuros.
Sobrepostos, sobrecarregados.
Embaralhados e sem sentido.
Acho que vimos o tempo.
Não que isso importe.
O tempo é impiedoso, passou por ele muito antes de passar por mim,
ainda assim, sua passagem é visível em qualquer um de nós.
Eu o vi passar, ele não me viu.
Não tomou conhecimento da minha existência.
Me relegou o esquecimento,
não que isso importe também.
Nos olhos do tempo tudo é efemeridade, acaso e arrefecimento.
Todos nós vamos passar.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

AMOR FATI

Agraciado que sou,
na vida não tive paz um só segundo
Abastado em infortúnios,
renegado até mesmo do submundo
Bastardos da moral!
Ao me resguardarem humilhações
nutriam minhas ânsias,
de suas esconjurações debochei em abundância.
Ironizei profetas,
desmenti juramentos,
neguei os sacramentos.
Abdiquei do paraíso para viver a vida.
A vida pútrida, fétida e vil.
Única, cética e viril.
Sem delírios de Verdade,
apego-me a humanidade.
Errante, erroneamente.
Humano, demasiado humano.
Errare humano est
Pelas "falhas" me faço ser.
Sou qualquer um.
Em qualquer lugar.
Um olhar, perdido no mundo.
que abraça o mundo sem olhar.
que viva o que tiver de viver, o que se fizer viver.
Com prazer,
já que inevitavelmente tudo há de retornar.

quarta-feira, 29 de março de 2017

Paz

Porque se revelaria a mim o que não se revelou a nenhum outro indivíduo na história da humanidade? Ricos e pobres, doutos e incultos, no Oriente e no Ocidente. 
Nenhum dos seres que pisou esta terra o fez sem sentir a angústia.
A paz não parece poder ser alcançada pelo espírito humano.
Pelo contrário, muitos dedicaram seus pensamentos a minimizar o sofrimento.

Como se fosse possível haver beleza onde não há dor.